Há algumas semanas, a Transpetro divulgou um comunicado a seus empregados marítimos sobre a implantação do regime 1×1, com o registro quantitativo de oportunidades de ascensão na carreira. Mais oportuno do que lembrar como o 1×1 foi conquistado – por insistência e por esforço de nossas Entidades Sindicais Marítimas – é fazermos uma reflexão coletiva sobre as vantagens de lutar.
O mundo não foi criado como nós o vemos hoje. Logo no início da próxima década, estaremos comemorando o primeiro centenário do fim do trabalho aos domingos e do abuso no trabalho infantil. As fábricas chegavam a empregar crianças de seis anos de idade em regime de trabalho adulto! As mudanças alcançadas no mundo do trabalho ao longo do século passado, que permitiram aos trabalhadores chegar às condições vivenciadas nos dias atuais, não foram gratuitas, nem deixaram de apresentar riscos. É importante notar que melhoria significativa de vida não se alcança sem enfrentá-los. Não tivéssemos lutado e corrido riscos no passado, estaríamos ainda convivendo com a realidade dos primórdios da civilização.
Enquanto, no Brasil, homens e mulheres do mar gozam de salários de padrão internacional e alto nível de segurança no trabalho, existe pelo mundo uma bem montada indústria do bem-estar para marítimos miseráveis, a tal Seafarers’ Welfare Industry, que conta com a participação da iniciativa privada, de instituições religiosas e até de organizações sindicais. São iniciativas que contribuem para que armadores mantenham-se confortáveis explorando Marítimos nos mares do mundo. Um dos informes publicitários dessa indústria mostra marinheiros em torno de pratos de comida, acompanhados de uma singela caixa de biscoito e um copinho de refresco ou, talvez, água do pique tanque. Emociona até o coração mais duro! Em outra foto, a assinatura indelével dos interessados nessa indústria: um almoço triste e enfadonho, em hotel cinco estrelas, com taças de cristal, onde bondosos senhores são maltratados pela falta do biscoitinho e do refresco.
A realidade factual de Marítimos explorados é aquela que a Armação utiliza nas comparações de custos de tripulações que, constantemente, expõem. São os nossos reais competidores. Tenham em mente que não existe como competir com a fome, com os salários indignos, com os contratos não cumpridos, com a insegurança no trabalho! Esta é a situação de muitos marinheiros ao redor do mundo e até mesmo em navios estrangeiros que operam em nossas águas. Não se equivoquem. Essas organizações não se movimentam para destruir esta Marinha Mercante de fome que não queremos. Não existem para que seja impedida de operar nos portos. Existem para torná-la aceitável, respeitável e possível. De quebra, ainda recebem a admiração de gente que não enxerga dois palmos à frente do nariz. Isto quando não possuem interesse direto nesta exploração.
Acredito não ser necessário tecer maiores comentários sobre tal política de aceitar e até incentivar uma Marinha Mercante de miseráveis. Quem quiser contribuir para fixar a mendicância em nosso meio, que prepare seus donativos. Nós não queremos. O fato é que a Marinha Mercante de profissionais bem pagos, que não precisam de caridade, nunca é objeto de destaque e de valorização pela chamada indústria marítima. Nosso pessoal a bordo precisa ter percepção destes aspectos acima. Poucos possuem. E olhem que estou sendo otimista.
Três décadas atrás, quando mobilizamos toda a categoria dos Marítimos em uma greve histórica, éramos nós, brasileiros, os conhecidos nos portos mundo afora como os miseráveis. Viajávamos sem dinheiro porque deixávamos o pouco que ganhávamos com as nossas famílias. Viramos o jogo e nossa luta nos trouxe até o patamar em que nos encontramos. Devemos continuar fazendo a nossa parte!
Se em nosso país não precisamos das benesses ofertadas aos arítimos miseráveis dos países de baixo custo, isso se deve a uma estrutura sindical que trabalha incansavelmente pela melhoria das relações de trabalho de quem representa. Aqueles que, matreiramente, esperam que apenas os outros contribuam para sua vida melhorar devem envergonhar-se por agir assim. Um dia poderão estar convivendo exclusivamente com gente de mesmo nível e lamentarão ser o que são. Pode até já ser tarde.
Aproveitamos o momento de início de ano para desejar que 2018 seja abundante em oportunidades que resultem em conquistas coletivas obtidas com unidade e com luta!
Saudações marinheiras,
Severino Almeida Filho
Presidente do SINDMAR