O Brasil precisa aproveitar este momento para fazer a correta leitura dos acontecimentos, ajustando a proa para os necessários e verdadeiros desafios a serem enfrentados. Sim, porque uma crise política contínua e artificialmente fomentada, visando objetivos indeclináveis, é tão nefasta quanto um problema concreto. O que é fictício – no caso, a crise política – paralisa, emperra e prejudica tanto a economia quanto os nós estruturais, legais e burocráticos que devemos resolver em prol do crescimento do Brasil. E o que mais entristece, nos dias de hoje, é ver o interesse nacional – o desenvolvimento socioeconômico do País – sendo alijado das prioridades, como consequência do embate subalterno daqueles que buscam o poder a qualquer custo, inclusive, se possível for, por meio de uma quebra das regras do jogo.
Apostando na democracia, na manutenção das regras do jogo e na estabilidade das instituições como um imperativo poder-se-á vislumbrar, com maior clareza, livres da cortina de fumaça que hoje turva nossa visão, o horizonte à frente e a realidade sob nossos pés. Não estamos num atoleiro econômico – muito longe disso – tampouco envoltos numa convulsão social, como apregoam muitos. Os problemas econômicos são pontuais e, por isso mesmo, transitórios. Aliás, em que momento de sua trajetória o Brasil não enfrentou percalços e revezes na economia, exigindo esforço conjunto e união em busca de novas alternativas? O terrorismo em torno de uma conjuntura que é mais ficcional do que real gera um estado de pavor contraproducente. E é isto que trabalhadores e empreendedores do setor de navegação precisam saber evitar, pois há, de fato, muito trabalho a ser feito.
Ocupemo-nos, portanto, de problemas concretos, não da ficção abjeta. Primeiro passo: despolitizemos as questões que exigem os nossos mais autênticos esforços. A crítica técnica e imparcial é bem-vinda e deve merecer ênfase em detrimento de acusações inconsistentes de caráter político-partidário. Guiemo-nos pela razão, não pela emoção. Mais do que isto: sejamos responsáveis em nossas conduta e colocações. Porque o que está em jogo é o Brasil.
No que toca ao interesse direto dos setores de logística portuária e navegação, portanto, falemos de desburocratização, de busca de eficiência e produtividade, mas sem quebra de direitos indiscutíveis e de investimentos responsáveis do ponto de vista social e ambiental. Nos portos, por exemplo, sabemos que ainda há um grande descompasso entre demanda e oferta de serviços, provocando gargalos e com eles uma variada gama de ineficiências que se propaga pela economia. Mas, encaremos a questão com honestidade intelectual: este problema se fez ontem? Foi provocado por este governo ou por administrações recentes? Claro que não.
Em realidade, os problemas dos portos são resultado de um longo processo de deterioração que, justiça seja feita, o atual governo começou firmemente a reverter com a promulgação da nova Lei dos Portos, em 2013. Ao estabelecer novos critérios de exploração e arrendamento, o marco regulatório promoveu um novo aporte de investimentos no setor, primordiais para o desenvolvimento do País. Não custa lembrar que, somente este ano, cerca de 40 novas instalações portuárias foram autorizadas. Outros 66 projetos encontram-se em exame final pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAq), representando, no conjunto, R$ 23 bilhões. A previsão do próprio setor, não do governo, é de que até 2018 sejam investidos mais R$ 37 bilhões na construção de 60 terminais privados e em novos arrendamentos em portos públicos. Ora, neste setor, o governo tem sido de grande felicidade, embora pouco se comente e ainda que tenhamos um longo caminho pela frente, com ajustes indispensáveis.
O mais relevante – e igualmente pouco falado – é que este País do qual tanto se fala que está mergulhado em grave crise movimentou um volume recorde de mercadorias pelos portos em 2014, nada menos que 969 milhões de toneladas, o que representa uma variação positiva de 56% em relação a dez anos atrás (621 milhões de toneladas) e de 69,2% em relação a 1994 (360 milhões de toneladas). Para quem acha que os números de 2014 foram o derradeiro suspiro de uma economia agonizante, cabe informar que, no primeiro semestre de 2015, nossos portos movimentaram 479 milhões de toneladas, ou seja, 3% a mais do que no mesmo período do ano anterior. Pois bem, este País, que insistem em nos convencer que está dando errado, tem registrado recordes no movimento de cargas e vai investir mais de 50 bilhões em empreendimentos portuários nos próximos anos. É de se imaginar onde poderíamos estar se não fosse o “terrorismo político e midiático” que ora nos assola.
Certamente, não apenas o setor portuário e o comércio exterior, mas a indústria naval e o segmento de transporte marítimo estariam em muito melhor situação. Particularmente o nosso segmento, de navegação, tem sido fortemente afetado pela propaganda negativa e por um clima de derrotismo que são incompatíveis com o compromisso de desenvolvimento que deve nos nortear e inspirar. Postos de trabalho estão sendo fechados muito mais em função das consequências da crise fictícia do que de dados concretos e de perspectivas econômicas. A disputa político-partidária vale este preço?
(Artigo do Presidente do SINDMAR, Severino Almeida Filho, publicado no caderno especial Marítimo do jornal Monitor Mercantil, em 10/12/2015)