Encerramos mais um dia comemorativo da Marinha Mercante brasileira, como o personagem da peça teatral Esperando Godot, do dramaturgo Samuel Beckett: confiando na chegada de quem nunca chega. A data, que se esconde entre o Natal e o Ano Novo, foi escolhida por ser a do nascimento de seu patrono, o Visconde de Mauá. Sem dúvida, empresta esta data o mesmo significado do navio na história oficial da sociedade brasileira: ninguém o vê. Se não é visto, não existe. E, se não existe, é porque não importa. Sabemos nós, homens e mulheres formados para o trabalho no mar, que nada é mais falso. Sabemos, como poucos, a importância do mar e de nosso trabalho.
A citada peça do dramaturgo irlandês, marco do “teatro do absurdo” também é parâmetro comparativo para a nossa realidade. Vivemos no absurdo de sermos um dos maiores países do mundo, com uma das maiores extensões litorâneas existentes, localizado geograficamente fora das tradicionais rotas marítimas, entre países produtores e consumidores, e cada vez mais, nos acomodarmos em sermos controlados por interesses externos em nosso setor de navegação marítima.
Não somos exceção na sociedade brasileira. Vítima do modelo Casa Grande e Senzala, criado pelo insuspeito sociólogo conservador Gilberto Freyre, a nossa sociedade assiste, ao estilo “impávido colosso”, ao desmonte de nosso Estado, à entrega de nossas riquezas e, quiçá, ao loteamento de nosso espaço.
Isto não é devaneio. Poderá ser iniciado com a entrega da base espacial Alcântara, para a qual uma parte burra e estúpida de nossa classe média contribuiu, indo às ruas de verde e amarelo e batendo pateticamente em suas panelas de teflon. Buscava, tolamente, combater a corrupção, prato que lhe é sempre servido requentado quando avanços sociais se iniciam, mesmo que parcamente, em busca de uma melhor distribuição de renda.
Faz quase dois anos que nós alertávamos, em editorial na revista UNIFICAR, preocupados com a contribuição para o caos promovido pelos “midiotas”, ou seja, aqueles que olham o mundo pela verdade capenga de um Jornal Nacional da Globo e lambem extasiados a produção de notícias distorcidas tão ao gosto de uma Veja.
O fato é que todos nós, tanto aqueles que percebiam na ocasião como aqueles que nunca perceberam, sofremos junto as consequências. Em nosso setor, há uma evidente ausência de interlocução para assuntos de navegação. Aprofunda-se o desinteresse do pensar em política para o setor que nos livre de predadores da estirpe de uma dinamarquesa Maersk na Cabotagem, de recursos e interesses noruegueses no Offshore e de aberturas tão ao gosto da Organização Mundial do Comércio, que há 22 anos grita-nos desavergonhadamente que façamos o que nações de primeiro mundo dizem para ser feito, mas que não fazem em suas fronteiras, produção e transporte.
Comemoramos o dia da Marinha Mercante brasileira receando respirar odor de indesejada putrefação. Mais e mais, desaparecem condições de termos em nossas águas tripulantes e armadores brasileiros, inclusive o Estado. De seguro, temos o fato de que autonomia e soberania nas decisões de interesse do País são aspectos cada vez mais tênues em nosso horizonte.
Que venha 2018 e a esperança de que panelas de teflon e camisas verde-amarelas, desta vez, sejam usadas na direção certa! Que esta jamais seja na direção apontada por esta mídia criminosa, descompromissada com o futuro de nossa nação e instrumento escancarado do rentismo e da exploração do trabalho pelo capital. Pior, cevada por interesses estranhos ao Brasil, indesejados pelo seu povo e perigosos ao seu futuro. Pode ser otimismo demais, mas hoje podemos. Afinal, estamos próximos da virada do ano e é nosso dia!
Poucos enxergam navios, mas muitos veem esperança no horizonte. Aproveitemos!
Saudações marinheiras,
Severino Almeida Filho
Presidente do SINDMAR