“Se pretendem sobreviver profissionalmente a este mar grosso, Oficiais e Eletricistas Mercantes precisam contribuir para fortalecer o nosso SINDMAR. É hora de compreender que se não fizerem parte da solução de nossos problemas, se somarão a estes”.
Neste último ano, não tem havido semana sem sobressaltos para os trabalhadores e para a população brasileira. A democracia e os direitos conquistados ao longo de décadas são arrancados sem avisos, sem consultas, sem permissões. A participação dos assalariados, que desde a revolução industrial firmou-se como sustentação da vida em sociedade e da democracia moderna é desconsiderada e constrangida, às vezes com força policial, por um governo serviçal de um patronato avesso aos direitos e às relações mais horizontais do mundo do trabalho, por ser atavicamente fundado em quase quatro séculos de escravidão.
A mais nova informação pública é de que o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis – IBP, representante da indústria desse setor, decidiu exigir da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq a total flexibilização das normas de contratação dos serviços marítimos, do que pode resultar a precarização dos serviços de Apoio Marítimo e inaugurar na Cabotagem o contrato apenas por viagem, em vez de contratos de atividades por tempo determinado, que dão segurança e longevidade aos contratos de trabalho dos empregados.
Faz tempo que o IBP tem essa postura. O que mudou, então? A diferença é o cenário político. Uma parte do patronato perdeu os limites e a vergonha. Com um governo fraco, porque ilegítimo, patrocinado e refém do grande empresariado, a indústria e os bancos estão à vontade para propor e escrever as mudanças de leis, de normas e de regras, que aumentam os seus lucros imediatos, mesmo que sacrifiquem o país a longo prazo. É importante que essa investida seja refutada de modo inequívoco pela Abeam, que junta as empresas do apoio marítimo, e pelo Syndarma, dos armadores, ao menos por aquelas empresas que os compõem e são de capital majoritariamente brasileiro. Tanto na Cabotagem quanto no Apoio Marítimo, elas não terão como sobreviver no cenário laissez-faire, sem regulamentação, que se pretende a pretexto de redução do impacto tributário da operação.
A investida sobre a Antaq serve à lógica das maiores empresas, internacionalizadas, que buscam exercer hegemonia à custa da inviabilização econômica e do desaparecimento dos competidores menores. Ao final desse enredo, restarão oligopólios a forçar os preços dos fretes para cima e a impor aos marítimos a precarização do trabalho e dos salários. Caso a Antaq, órgão regulador, faça concessões a essa licenciosidade, ela mesma estará em risco, por se tornar desnecessária. O mercado regulado, nesse caso pela Antaq, assegura a competição, com impacto positivo e duradouro nos preços para os usuários do transporte marítimo.
As empresas que buscam a hegemonia têm fôlego para ofertar custos atrativos ao usuário, apenas pelo tempo necessário para destruir ou controlar os competidores. Esses custos não são suportáveis para as empresas de menor porte, que acabam sucumbindo. Depois de eliminarem a concorrência, deixando os usuários sem alternativa, impõem os preços que lhes convêm. A Antaq está diante de uma ameaça real ao funcionamento sustentável do mercado e à sociedade brasileira, pois abrir mão de seu papel como agência reguladora nesse momento implica abrir caminho para o desmonte da Marinha Mercante brasileira no Apoio Marítimo e, em decorrência, na Cabotagem. Admitir que as embarcações de apoio marítimo possam ser afretadas por companhias não autorizadas na forma de empresas brasileiras de navegação (EBN) traz impacto direto na obrigação de contratar mão de obra nacional.
Diante dessas ameaças, muitos companheiros e companheiras ainda estão deitados em berço esplêndido, usufruindo das conquistas dos últimos quinze anos de forte e efetiva atuação sindical. Regime de trabalho e repouso 1×1, ACT com reposição plena da inflação, empregos garantidos pela RN 72, assistência jurídica, salário de padrão internacional, alto padrão de segurança do trabalho e oferta de qualificação para a certificação profissional são construções inteligentes, eficazes e duradouras de um Sindicato sério e respeitado, que consulta, submete as ideias ao debate dos associados, amadurece as soluções e faz valer diante do patronato as decisões coletivas dos seus associados.
Há os que usufruem dessas conquistas e nem se deram ao trabalho de se sindicalizarem. É provável que tenham caído no canto da sereia de que “estão onde estão por mérito, por iniciativa própria”. Ora, todos os direitos e garantias dos trabalhadores marítimos brasileiros não seriam possíveis como iniciativas de indivíduos. São construções coletivas, bem-sucedidas, graças ao encaminhamento persistente, qualificado e seguro do SINDMAR.
Os desafios imediatos para os marítimos brasileiros, que devem referenciar a atenção e as lutas de todos, são:
- Os riscos para as relações de trabalho com a chamada reforma trabalhista, notadamente para as negociações coletivas e para a manutenção das conquistas já realizadas;
- Os riscos de eliminação da RN 72, que assegura postos de trabalho para marítimos brasileiros nas embarcações estrangeiras em nossas águas territoriais. Grandes empresas de transporte marítimo já têm tentado autorização judicial para aplicar o percentual de mão de obra brasileira sobre o quantitativo absoluto dos trabalhadores de um navio e não mais “em todos os níveis técnicos e em todas as atividades de caráter contínuo”, em especial “nas atividades de alta qualificação”, como o próprio texto da RN 72 estipula. E, no rastro de permissividade da reforma trabalhista, empresas estrangeiras burlam com frequência a obrigação de contratação de mão de obra nacional, por confiarem que não serão fiscalizadas nem punidas;
- O risco, com a nova Lei de Migração, de enorme facilitação para vistos e autorizações de trabalho para estrangeiros em qualquer atividade, o que certamente irá alterar a lógica atual de proteção ao nosso mercado de trabalho a bordo de embarcações mercantes;
- O risco da reversão do processo de internação, com a consequente eliminação das embarcações com bandeira brasileira no Apoio Marítimo, caso a tese de afretamento livre vença e a lei 9.432 seja alterada, retirando a prioridade das embarcações de bandeira brasileira na contratação.
O sindicalismo dos Oficiais Mercantes no Brasil tem quase 90 anos de atuação continuada. É tempo suficiente para firmar tradição e se tornar constitutivo do modo da categoria se identificar, avaliar coletivamente os cenários e se mover frente à sociedade, ao mercado, aos governos. O tempo de retrocessos antitrabalhistas em que vivemos exige de cada um de nós, embarcados ou em terra, fortalecer as ações sindicais e abordar os colegas que ainda não se sindicalizaram para que o façam.
Que não se iludam, companheiros marítimos! Só nos fixaremos em nossos postos com comportamento coletivo e fortalecimento da interlocução de nossa estrutura sindical. Quem não compreender isso é forte candidato à mudança compulsória de profissão ou a permanecer nela disputando o que é oferecido às nacionalidades que trabalham com menor custo.
Temos de navegar juntos, para não perdermos o que com muita luta conquistamos. Um SINDMAR forte, eficiente e reconhecido externamente é a única garantia que nos restou diante da sanha patronal de desmantelamento dos direitos e da própria noção e do valor do trabalho e do emprego. O Sindicato é um patrimônio de cada um de nós e de todos os Oficiais e Eletricistas Mercantes. Unidade e Luta!
Saudações marinheiras.
Severino Almeida Filho
Presidente do SINDMAR