Nas últimas semanas, a grande imprensa vem noticiando com alarde que o déficit acumulado dos quatro principais fundos de pensão de estatais que estão sendo investigados pela CPI dos Fundos de Pensão da Câmara dos Deputados — Petrobras (Petros), Caixa Econômica Federal (Funcef), Banco do Brasil (Previ) e Correios (Postalis) — deve ter ultrapassado R$ 46 bilhões em 2015, de acordo com dados preliminares dos balanços anuais que estão para ser divulgados.
Colocando mais lenha na fogueira que consome a Petrobras, alvo da operação Lava-Jato e, principalmente, de toda sorte de especulações nocivas à empresa e ao País, a grande imprensa tem divulgado informações distorcidas sobre a Petros, o fundo de previdência complementar do sistema Petrobras, induzindo a opinião pública a ilações errôneas.
A mal disfarçada manipulação dos fatos pela mídia, alimentada por interesses obscuros, além de causar graves danos ao sistema Petrobras, como um todo, tem provocado muitas dúvidas e apreensão entre os aposentados participantes da Petros.
Para tentar esclarecer dúvidas e estabelecer a correta interpretação da situação atual, o SINDMAR reproduz, a seguir, o artigo do conselheiro fiscal da Petros, Paulo Brandão, que lança luz sobre o tema, desmistificando a questão do déficit técnico de maneira simples e objetiva. Publicado originalmente no blog conselhopetros.blogspot.com , no último dia 6 de março, o artigo é leitura obrigatória para todos os trabalhadores e trabalhadoras do sistema Petrobras .
O Déficit Técnico — Causas e Soluções Históricas
Muito se tem falado sobre as causas e soluções dos déficits técnicos apresentados nas demonstrações contábeis da Petros. Buscando corrigir vários entendimentos distorcidos, apresentamos, neste artigo, os esclarecimentos que julgamos cabíveis.
É necessário lembrar que déficit técnico é fruto da comparação da provisão matemática (resultado de cálculo atuarial realizado com utilização de premissas) com suas probabilidades de realização, para apresentar valor, no tempo projetado previsto na legislação, relativo às necessidades de recursos para atender os compromissos do Plano. Indica a necessidade de ajustes no seu Plano de Custeio, a serem realizados no período correspondente, visando recompor a reserva constituída ao longo do mesmo período, sendo esta correspondente ao patrimônio líquido do Plano de Benefícios.
Portanto, é uma comparação entre a provisão matemática, com forte componente probabilístico e sujeita aos impactos atuariais consequentes, e o valor do patrimônio líquido no mês/ano correspondente. Por isso, é um indicador da necessidade de ajustes, principalmente porque o patrimônio é contabilizado em função dos resultados dos investimentos, dos efeitos sazonais da macroeconomia ou dos dois juntos, mas não indica a ausência de recursos em caixa para pagar benefícios em manutenção na projeção de 32 anos.
Na Língua Portuguesa, o vocábulo “rombo” tem vários significados:
1. grande buraco ou abertura;
2. furo devido a arrombamento; rotura;
3. sentido figurado1: desfalque; prejuízo;
4. figurado2: roubo.
As entidades de Previdência utilizam a provisão matemática, as perspectivas dos investimentos, as projeções de entrada de recursos novos e outras variáveis para analisar o comportamento do caixa da entidade versus o pagamento dos compromissos no curto, médio e longo prazos, projetando para os 32 anos seguintes o fluxo deste caixa.
Ocorrendo descasamento, ou seja, se ocorrer (em) insuficiência (s) de recursos para pagar os compromissos de determinado(s) ano(s), no todo ou em parte, o administrador refaz a forma como os recursos estão distribuídos percentualmente por tipo de investimento (filosofia de investimentos) e projeta novo exercício de fluxo de caixa para comprovar se os descasamentos desapareceram. Isso acontece ao final dos exercícios, quando a filosofia dos investimentos (distribuição por tipo de investimento com destinação de faixas de autorização para cada um) é definida pelo Conselho Deliberativo, ficando a execução – realizar e apresentar resultados, sob a responsabilidade da Diretoria Executiva, e cabendo ao Conselho Fiscal verificar se ocorreu o cumprimento do determinado.
Havendo necessidade de equacionamento para garantir que o novo perfil dos investimentos tenha maior probabilidade de eliminar os descasamentos, ou porque a execução da norma legal (atualmente é a Resolução 22/2015 do CNPC) indique esta necessidade, deve ser apresentada a alternativa de equacionamento por meio do aporte adicional de recursos.
Se nos detivermos nos resultados dos anos em que ocorreram os maiores déficits técnicos, no período de 1970 a 2015, constataremos facilmente as causas que não podem ser consideradas como “rombo”, na forma como querem que pareça.
E por que podemos afirmar isto?
1. Em 1979, a relação entre o déficit técnico e o patrimônio líquido foi de 46,5%. A causa do volume de recursos contabilizados ser menor do que deveria não foi rombo, mas sim o fato de a patrocinadora ter contribuído com o correspondente a cerca de 1/3 (uma terça parte) do que deveria. O correto teria sido a patrocinadora contribuir paritariamente com os participantes ou reverter o correspondente aos depósitos no FGTS dos não optantes, o que não correu.
Então, logo que as contribuições das patrocinadoras foram ajustadas ao necessário, o déficit foi progressivamente eliminado até se obter o superávit técnico. E isto foi feito mantendo-se fixa a contribuição dos participantes, conforme determinava o contrato dos mantenedores-beneficiários (participantes) com a Petros (mantido nos contratos dos não repactuados). Portanto, a causa foi a dívida da patrocinadora.
2. Em 1987, o percentual foi de 129,7%. Ora, teria havido o sumiço de um patrimônio inteiro e mais 29%? Não, esse monstruoso déficit técnico foi decorrente do fato de a patrocinadora ter mandado mudar, em 1984, o Regulamento do Plano Petros BD (hoje PPSP), introduzindo fator gerador de déficit técnico pelo aumento da provisão matemática em razão de transferência de ganho real para os benefícios dos assistidos, sem a correspondente cobertura patrimonial.
Então, a causa não foi “rombo” nem investimentos mal realizados, mas o enorme impacto atuarial causado pelas revisões de todos os benefícios e seu reflexo na provisão matemática para os anos seguintes, sem um aporte para elevar o patrimônio líquido em volume suficiente para o equilíbrio do Plano. A solução foi um novo ajuste nas contribuições da patrocinadora, porque as dos participantes e assistidos eram e são fixas.
Mesmo com este enorme déficit técnico, o atuário responsável pelo acompanhamento do custeio do Plano não alterou a forma de cálculo das provisões matemáticas. Ou seja, continuou considerando apenas o ajuste anual dos benefícios em manutenção pela variação da inflação (antes INPC, agora IPCA) e não pela valorização das tabelas salariais das patrocinadoras com a incorporação de ganho real, e estabeleceu que tal cobertura teria que ser feita pela rentabilidade dos investimentos superiores aos das metas atuariais por ele fixadas.
Prevendo justamente esse fenômeno de geração potencial de déficit técnico, a autoridade governamental competente determinou que a Petrobras (patrocinadora instituidora) incluísse no contrato com os participantes e assistidos, ou seja, no Regulamento do Plano, o inciso X (que hoje é o IX do artigo 48), estabelecendo que os déficits técnicos presentes e futuros, recorrentes, seriam da exclusiva responsabilidade das patrocinadoras. Em obediência a este dispositivo, as contribuições delas foram revistas progressivamente para que o déficit técnico fosse eliminado.
E assim foi eliminado o déficit cuja causa não foi “rombo”, mas um impacto atuarial com enorme aumento progressivo do passivo representado pela provisão matemática elevada.
3. Em 1994, a relação entre o déficit técnico apurado e o patrimônio líquido foi de 17,7% e uma “mega auditoria” foi determinada pelo governo, envolvendo quatro ministérios e uma verdadeira tropa de choque para descobrir onde estava o “rombo”. De forma complementar, foi instalada uma CPI com o mesmo fim. Entretanto, nada foi comprovado como tal.
O chamado serviço passado (aportes não realizados na época), correspondente ao impacto atuarial relativo aos empregados da Petrobras que compuseram o contingente de fundadores da Petros (os Pré-70), registrado legalmente na conta Reservas a Amortizar, foi negociado com a empresa, que assumiu integralmente tal responsabilidade de forma vitalícia, realizou os aportes e eliminou o déficit técnico.
Então, a causa não foi decorrente de investimentos (ruins e bons), mas das provisões matemáticas impactadas pela aplicação correta dos reajustes dos benefícios com base no artigo 41, de outros fatores e, principalmente, da necessidade de realizar a cobertura dos valores correspondentes às Reservas a Amortizar, ou seja, o pagamento da dívida da Petrobras, que foi equacionado e eliminou o déficit técnico.
4. Em 2004, a relação entre déficit técnico e patrimônio líquido foi de 21,67% e os investimentos (os ruins e os bons pelo somatório) apresentaram resultados muito acima da meta atuarial. Havia, porém, dívidas das patrocinadoras em cobrança por meio de ação civil pública, apontadas em 2003 pelo Conselho Fiscal, que, pela primeira vez, não aprovou as contas e a gestão da Petros. Na ocasião, os representantes das patrocinadoras apresentaram voto separado pela aprovação, mas registraram o “de acordo” no que concerne à dívida decorrente do “sopão” da década de 90, apontada pela perícia, inclusive, na ação civil pública, no valor de cerca de R$ 2,6 bilhões. Este valor, atualizado, ainda está pendente de equacionamento, incluído nos cerca de R$ 9 bilhões restantes em cobrança.
Logo, não havia “rombo”, mas insuficiência patrimonial de responsabilidade exclusiva das patrocinadoras Petrobras e Petrobras Distribuidora e da Petros, porque, na ocasião, as demais, por força de um processo ilegal de separação de massas (ilegal porque ainda transita no Poder Judiciário), passaram a patrocinar planos próprios. Interessante é que, apesar do elevado déficit técnico relativo ao patrimônio líquido da época, a mídia não falou na existência de “rombo”.
Como é sabido, foi realizado um absurdo acordo nos autos da ACP “entre partes” (parte dos sindicatos – FUP e a outra parte – as patrocinadoras), tendo como consequência o aporte de apenas metade do devido, sendo contabilizada para ser aportada em 2028. Desta forma, o déficit sumiu e, de 2007 a 2012, os mesmos investimentos (os ruins e os bons) renderam acima da meta atuarial promovendo superávit técnico.
O déficit técnico não decorreu de “rombo” e nem do rendimento dos investimentos (os ruins e os bons), pois estes renderam acima da meta atuarial, mas sim da existência de dívida das patrocinadoras, cuja metade, cerca de R$ 9 bilhões, não foi equacionada até hoje, contribuindo assim para a existência do déficit técnico atual.
5. Em 2015, chegamos, finalmente, ao déficit técnico que deve ser apurado e apresentado nas demonstrações contábeis relativas a este período. Até outubro de 2015, este déficit registrava cerca de R$ 15 bilhões. Não há qualquer dúvida de que o rendimento dos investimentos, por não superarem a meta atuarial, é uma das causas do resultado negativo.
Entretanto, o valor correspondente aos maus investimentos que estão contabilizados para perda, caso as ações judiciais de execução das garantias não resultem na recuperação, tem peso atual de cerca de 10% no resultado na redução dos ativos e do consequente déficit técnico.
Tais maus investimentos, não resta dúvida, são fruto da nefasta influência político-partidária no aparelhamento da administração da Fundação, que impede uma efetiva participação dos participantes e assistidos na sua governança.
Entretanto, a causa principal da redução contábil do patrimônio líquido é a grande desvalorização dos ativos causada pelo desempenho negativo da economia do País. Como, por exemplo, a parte correspondente às aplicações nas ações da Vale (via fundo de investimentos Litel) que deve chegar a R$ 5 bilhões. Somam-se a isto as desvalorizações das demais ações e dos investimentos em títulos públicos aferidos a mercado.
Além disso, temos os impactos atuariais com elevação do passivo em cerca de R$ 3,5 bilhões, correspondentes às revisões nos níveis dos benefícios dos assistidos, que não demandaram em juízo, e aos acordos a serem feitos nos autos das ações não transitadas em julgado, somados aos R$ 3 bilhões, também já contabilizados para suportar os impactos decorrentes das ações em tramitação, cujas execuções serão inevitáveis.
Ambos os impactos deveriam ser considerados como dívidas das patrocinadoras porque são parcelas causadoras do déficit técnico (inciso IX do artigo 48) e, somados à parte da dívida ainda em cobrança judicial, de R$ 9 bilhões, demonstram claramente que, se executados, poderiam reduzir o déficit significativamente.
Podemos, então, concluir que não existe “rombo” causador do déficit técnico e que as causas da quase totalidade do déficit técnico atual não são apenas os resultados negativos dos maus investimentos, mas a enorme desvalorização dos ativos em função da declinante performance da economia do País, decorrente do desgoverno existente e a contabilização incorreta dos valores dos impactos atuariais e de dívidas das patrocinadoras não honradas.
Paulo Brandão
Conselheiro Fiscal da Petros