Embora o bem-estar no ambiente de trabalho faça parte do sistema de gestão de todas as empresas de navegação por exigência da regulamentação do setor, a saúde mental ainda é tratada como tabu até mesmo entre aqueles que sofrem de algum transtorno desta natureza, conforme mostra relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2022.
Num olhar abrangente sobre toda a população, o estudo revela que 1 bilhão de pessoas viviam com algum distúrbio psicológico em 2019. Destas, ao menos 15% eram adultas e estavam em idade ativa.
O bullying em ambiente laboral ainda é uma das principais queixas de assédio, mas questões como discriminação e desigualdade também são alguns dos fatores que impactam negativamente a saúde mental de trabalhadores em todo o mundo.
No caso dos marítimos, as longas jornadas a bordo de um navio, o isolamento social próprio da profissão, a redução no número de tripulantes embarcados, a fadiga e a instabilidade financeira são alguns dos motivos que podem levar o trabalhador a um quadro de depressão, situação que foi extremamente agravada durante a pandemia do novo coronavírus.
A privação do sono, decorrente do excesso de trabalho a bordo e de condições ambientais adversas, também leva ao esgotamento mental. Em março deste ano, o portal Safety4Sea fez um alerta sobre como uma rotina irregular de repouso prejudica a saúde do marítimo.
O texto destaca as condições adversas às quais o trabalhador é exposto e que nem sempre são gerenciáveis por ele. A publicação ressalta, ainda, a importância de se administrar, de forma apropriada, os horários de trabalho e de descanso.
A depressão é um tema tratado com bastante atenção pela representação sindical. A conquista de regimes que possibilitam mais tempo desembarcado ao longo do ano e períodos de embarque menores é considerada um grande avanço para os trabalhadores marítimos, pois contribui para evitar diversos problemas relacionados à saúde mental.
No entanto, em navios de outras bandeiras que operam na cabotagem, é frequente a existência de marítimos de outras nacionalidades submetidos a períodos de embarque que podem alcançar mais de seis meses, situações nas quais não é difícil identificar problemas graves relacionados à saúde mental dos tripulantes, com ocorrências preocupantes de abuso no uso de álcool ou mesmo de drogas.
Por outro lado, a questão volta a causar preocupação quando o nível de redução nas tripulações alcança níveis históricos, especialmente nas praças de máquinas, com a alegação das empresas de que a automação permite que elas fiquem desguarnecidas em uma parte do dia.
Na verdade, isso não ocorre. A rotina operacional e os procedimentos de segurança das contratantes, quando não, as condições de manutenção dos equipamentos, não permitem que a praça de máquinas fique efetiva e regularmente desguarnecida.
Segundo o presidente do Sindmar, Carlos Augusto Müller, diversas empresas do offshore conseguiram, com a Autoridade Marítima, cartões de tripulação que supostamente possibilitariam operação com apenas dois oficiais de máquinas e que, em tese, permitiriam a Praça de Máquinas desguarnecida, mas isso nunca seria factível, pois as exigências contratuais e a rotina operacional exigem a presença do oficial de serviço.
“Mentiras sinceras não interessam aos trabalhadores. Essa questão necessita de uma ação concentrada da Fiscalização do Trabalho e de ajustes com relação ao número de oficiais a bordo para que sejam atendidas a demanda real do serviço e a necessidade de descanso dos marítimos”, alerta Müller.
A fadiga é um assunto recorrente nas discussões dos sindicatos marítimos com armadores e autoridades públicas, mas as frequentes reclamações de tripulantes sobre a pressão para se marcar nos registros de bordo um número de horas inferior ao que efetivamente foi trabalhado não deixa dúvidas de que entre o discurso e a prática há uma distância considerável.
O Sindmar recomenda aos seus representados que mantenham rígido controle dos limites de horas trabalhadas e denunciem qualquer tentativa de fraudar os registros exigidos pela Convenção do Trabalho Marítimo (MLC).
Além disso, é importante que todos fiquem mais vigilantes com relação à saúde mental. O tema é pouco discutido pelos marítimos com as suas famílias, com os amigos e com os colegas de trabalho a bordo.
Em muitos casos, os trabalhadores acometidos por problemas de ordem emocional preferem guardar para si a sua angústia, com receio de sofrerem algum tipo de preconceito, o que acaba gerando baixa percepção sobre o problema e o seu agravamento. Falar sobre saúde mental é o primeiro passo para que se possa cuidar dela de forma apropriada.
A Conttmaf e a FNTTAA também têm trazido o tema à discussão em seus seminários e estão elaborando um projeto, juntamente com outras entidades afiliadas à Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF), para que a questão da saúde mental receba mais atenção e recursos, e possa ser tratada de forma mais efetiva na indústria marítima em benefício dos trabalhadores.