No rastro dos avanços tecnológicos e das transformações sociais, econômicas e culturais, o perfil do Oficial Mercante também evoluiu. Neste sentido, para atender a demanda de um setor cada vez mais exigente, hoje, a boa qualificação profissional é o passaporte para uma carreira de sucesso.
Em 2015, o tema da campanha promovida pela Organização Marítima Internacional (IMO) para marcar o Dia Internacional do Marítimo (25 de junho) é “Uma Carreira no Mar”. Diante da perspectiva de que no futuro haja falta desses profissionais, a campanha tem como objetivo mostrar as diferentes oportunidades que existem nesse campo, para incentivar o interesse pelas carreiras marítimas e atrair novos talentos.
A Revista Unificar ouviu dois companheiros de luta e, também, a EFOMM-CIABA, para saber o que mudou no perfil do Oficial Mercante e quais competências precisam ser desenvolvidas para quem quer trilhar uma carreira marítima com sucesso.
No ano de 1973, as antigas Escolas de Marinha Mercante deram origem à Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM), que faz parte dos Centros de Instrução Graça Aranha (CIAGA), no Rio de Janeiro, e Braz de Aguiar (CIABA), no Pará. Dois anos depois, o Capitão de Longo Curso (CLC) Francisco Gondar se formava na EFOMM-CIAGA e começava a navegar como praticante de Náutica na Empresa de Navegação Aliança, onde está até hoje. Ele recordou que, naqueles tempos, o trabalho a bordo era duro.
“As dificuldades eram muitas e para todas as funções. Naquela época, além de os recursos tecnológicos serem muito limitados, se comparados aos de hoje, havia uma resistência em oferecer facilidades aos tripulantes. O que nos motivava era seguir adiante na carreira, ter boa remuneração (principalmente os abonos em dólares, pagos no exterior) e a chance de conhecer o mundo viajando de navio”, contou Gondar.
O Oficial Superior de Máquinas (OSM) Marco Junqueira – primeiro OM a completar o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE) da Escola Superior de Guerra – também começou sua carreira na Aliança, como Oficial de Quarto de Máquinas, em 1994. Gerente de Embarcações Offshore na V.Ships Brasil, hoje, Junqueira lembrou que aquela época ficou conhecida como a “era do desmonte”, quando o cenário no mercado marítimo era de falência e as perspectivas, as piores possíveis. Ele recorda que o regime de trabalho na cabotagem era de 12 meses de embarque para 30 dias de férias e, isto, na melhor das hipóteses. Na prática, disse Junqueira, as folgas se limitavam às estadias nos portos, quando as horas e as tarefas eram divididas, permitindo um escape da rotina de embarque.
“O cansaço era um enfrentamento contínuo diante das atividades impostas a bordo, de domingo a domingo, e era preciso muita força de vontade, física e mental. Como somos humanos, não super-heróis, obviamente aquele regime de trabalho acarretava prejuízos na nossa vida pessoal e social, como a falta de comunicação e o convívio com a família e os amigos, a dificuldade em ler um jornal, assistir a um jogo de futebol ou, simplesmente, telefonar para alguém”.
Atuação do SINDMAR e novas tecnologias propiciam avanços significativos
Ao longo das últimas décadas, os navios foram se automatizando, as tripulações ficaram mais enxutas e o mercado foi girando a agulha cada vez mais rapidamente no sentido do offshore. As condições a bordo melhoraram, assim como a comunicação via telefonia e internet. As oportunidades se ampliaram, mas os desafios também aumentaram, entre eles, os de competir com a mão de obra estrangeira e adaptar-se à nova tecnologia das embarcações. O OSM Junqueira destacou o papel do SINDMAR na transição da “era do desmonte” para tempos mais promissores.
“Dois vetores influenciaram muito as mudanças, a meu ver: a unificação dos sindicatos dos Oficiais e o avanço do offshore no Brasil. Estas duas forças somadas reverteram inteiramente as perspectivas da Marinha Mercante no Brasil no fim dos anos 90 e, principalmente, a partir de 2002. Quando comecei, a desesperança era grande. Lembro que fui fazer as provas para a EFOMM do Rio e os sindicatos panfletavam na entrada do CIAGA com frases do tipo ‘Não entre de gaiato no navio’. Mas, como era jovem e minha família passava por dificuldades econômicas, decidi arriscar e, hoje, não me arrependo. Vejo que ganhamos muito, muito mesmo: melhores condições de trabalho, acima de tudo, melhores salários e melhor regime de trabalho x descanso, que repercutiu também nas condições de folga da cabotagem. Isso atraiu até profissionais de outras áreas e trouxe de volta companheiros que haviam abandonado a carreira diante das dificuldades”.
Os novos tempos provocaram mudanças, também, na grade curricular da EFOMM, que hoje oferece disciplinas como Carta Eletrônica, Manobra de Simuladores, Gerenciamento de Passadiço, Máquinas e Melhoria nos Motores, e Eletricidade, Avanço e Automação.
A participação feminina em um meio, antes exclusivamente masculino, aumentou muito. Hoje, na EFOMM-CIAGA, no Rio de Janeiro, por exemplo, 25% dos alunos são mulheres. Já na EFOMM-CIABA, em Belém (PA), as mulheres são 21%.
No início, houve dúvidas sobre se as mulheres conseguiriam se manter na atividade. O tempo, no entanto, provou que as oficiais tinham a mesma capacidade para operar navios, tanto no passadiço quanto na praça de máquinas. E, há três anos, a CLC Hildelene Lobato Bahia fez história como a primeira mulher a ocupar o posto mais alto da hierarquia mercante no Brasil.
O Comandante Gondar lembra que, no começo, as tripulações resistiam a receber ordens das jovens Oficiais, mas, após o choque inicial, os marítimos se adaptaram. “Houve uma certa relutância em aceitar a presença feminina, mas, hoje, os marítimos brasileiros estão entre os que mais respeitam as mulheres que, registre-se, não exigem qualquer privilégio a bordo”, frisou ele.
Mercado exige profissionais cada vez mais preparados
Com a valorização da profissão, a conquista de melhores salários e condições de trabalho e o avanço do setor offshore, a Marinha Mercante tornou-se uma atraente opção de carreira para jovens que, em outros tempos, estariam nas melhores universidades do País. Para o CMT Gondar, com as mudanças tecnológicas cada vez mais velozes, só os mais qualificados terão lugar no mercado:
“A entrada na Marinha Mercante levava o marítimo a parar de estudar, o que não é bom em qualquer profissão. Eu recomendo sempre aos tripulantes e alunos que jamais deixem os estudos. O mercado exige profissionais com boa formação, equilibrados, conscienciosos e de capacidade reconhecida. E a carreira não termina com a carta de CLC ou OSM, sempre há o que aprender e oportunidade para crescer”, ressalta ele.
Reforçando esta opinião, o OSM Junqueira lembrou que o mercado sempre procura os bons profissionais, destacando que, em tempos de crise, só os melhores encontram oportunidades. Ele acredita que conhecimento técnico compatível com a função, experiência sólida e diversificada, comprometimento com os objetivos das empresas, busca pela excelência e domínio da língua inglesa sejam atributos essenciais nos dias de hoje. E confirma que o aprimoramento profissional deve ser uma busca constante:
“Nesses 21 anos de formado, a bordo e em terra, constatei que os oficiais que mais têm sua autoestima elevada são aqueles que, ao longo do tempo, investiram em qualificação. É uma questão estratégica da carreira marítima e, quando me refiro à qualificação, não falo apenas sobre o que se aprende na academia, mas, também, do aproveitamento das experiências que são oferecidas a bordo. Em uma profissão como a nossa, o pecado de não se aprimorar potencializa muito as dificuldades enfrentadas”, enfatiza ele.
Sobre os desafios para o futuro, o CMT Gondar disse que é preciso mostrar aos brasileiros a importância das profissões marítimas e despertar nos jovens a vocação para o mar. Já o OSM Junqueira acredita que a nova geração precisará manter as conquistas daqueles que a precederam:
“É importante reconhecê-las, em primeiro lugar, como conquistas que foram alcançadas com muita luta e sacrifício. Vale a pena. A carreira certamente é dura, mas, até por isso, as conquistas são mais doces, as amizades mais perenes e a honra, imensa. O dinheiro, o status e as conquistas pessoais são importantes, mas, o que recompensa de verdade é encontrar em si a felicidade de ser um homem do mar”, concluiu.
Criado para defender os direitos e interesses dos oficiais e eletricistas mercantes brasileiros, hoje, o SINDMAR atua, também, no desenvolvimento e aperfeiçoamento desses profissionais, por meio da Fundação Homem do Mar e seu Centro de Simulação Aquaviária, que oferece cursos reconhecidos internacionalmente, além de promover atividades culturais, técnico-profissionais e científicas, como seminários e exposições.
O Presidente do SINDMAR, Severino Almeida Filho, lembrou que as profissões marítimas oferecem inúmeros ganhos, mas que, também, exigem preparação de alto nível para enfrentar as dificuldades, que vão desde a distância da família – em momentos importantes, muitas vezes o cansaço e exposição a riscos físicos e químicos, até situações adversas e estressantes, como tempestades, acidentes em alto mar e navegação em áreas de conflito, entre outras. Ele destacou, ainda, que, além de buscarem uma formação profissional de excelência, é essencial que os jovens percebam a importância do associativismo, da participação na luta pelos seus direitos, através do movimento sindical. É a união de todos que faz a nossa força, ressaltou o dirigente sindical.