O episódio de poluição no litoral nordestino traz à tona uma fragilidade que expõe o meio ambiente e, consequentemente, toda a nação. Mesmo que os responsáveis tenham sido identificados, há o risco de que o prejuízo tenha que ser arcado pelos cidadãos brasileiros.
Em calamidades dessa natureza, a recuperação do meio ambiente chega facilmente à casa das dezenas ou centenas de milhões de reais. Segundo dados da Marinha e do Ibama, o derramamento na costa brasileira atingiu, até agora, cerca de 2.250 km e foram recolhidas aproximadamente 4 mil toneladas de resíduos de óleo. Somente para o seguro defeso a ser pago fora de época, o governo autorizou a liberação de R$ 130 milhões. Há ainda os custos com a ativação do Plano Nacional de Contingência (PNC), o pessoal dos órgãos governamentais envolvidos, o material para a remoção dos resíduos, além dos meios utilizados para o monitoramento, como helicópteros, aviões e navios.
Segundo o PNC, embora o ressarcimento deva ser feito integralmente pelo poluidor, enquanto o responsável não é identificado, os custos com as atividades de resposta e mitigação devem ser cobertos pelo Executivo – e é o que tem ocorrido até agora no desastre do nordeste brasileiro.
Por outro lado, mesmo com a identificação, ainda há o risco de a conta sobrar para a União. Isso porque, eventualmente, o poluidor pode não ter recursos suficientes ou cobertura de seguro capaz de arcar com tamanho prejuízo.
Embora o transporte marítimo mundial, a cada dia, venha adotando medidas para redução dos acidentes, salvaguarda da vida humana e proteção do meio ambiente, lamentavelmente, acidentes ocorrem. Assim, o risco de grandes derramamentos ainda permanece, uma vez que cerca de 2 bilhões de toneladas de óleo são transportadas no mundo anualmente.
Para enfrentar esse tipo de vulnerabilidade, a Organização Marítima Internacional e seus estados-membros decidiram, a partir da década de 60, estabelecer mecanismos que oferecem compensação em casos de acidentes por derramamento de óleo, reunidos em quatro convenções internacionais.
A primeira delas é a Convenção de Responsabilidade Civil (CLC), de 1992, que fornece compensação por derramamentos de óleos persistentes transportados em navios-tanque, até o limite de responsabilidade do armador, e é paga pela seguradora da embarcação, podendo chegar a cerca de US$ 91,85 milhões.
Há ainda a Convenção do Fundo, do mesmo ano, que fornece um segundo nível de compensação por derramamentos de navios-tanque, pago por receptores de petróleo nos países signatários, podendo chegar a US$ 209,5 milhões. Além disso, um fundo complementar também está disponível, fornecendo um terceiro nível, que chega a cerca de US$ 1,9 bilhão. Ao todo, 115 países já adotaram essa Convenção, dos quais 32 aderiram ao fundo complementar.
Por fim, há a Convenção de Bunker, que se aplica a derramamentos de óleos combustíveis, até o limite de responsabilidade do armador, com pagamento por parte da seguradora da embarcação, e a Convenção sobre Substâncias Perigosas (HNS), que ainda não está em vigor, mas será aplicada a derramamentos de outros óleos, como hidrocarbonetos não persistentes, óleos vegetais e produtos químicos, transportados a granel e em embalagens.
Embora essas convenções se diferenciem na aplicação, têm pontos em comum. Por exemplo, são aplicadas a derramamentos nas águas jurisdicionais dos países signatários e a reivindicação de reembolso de perdas pode ser feita sem necessidade de provar a responsabilidade do proprietário do navio em relação ao desastre.
Exemplo de como esse tipo de prevenção é importante ocorreu na Grécia, no naufrágio no Golfo Sarônico, no Mar Egeu. Em 2017, um acidente com o Agia Zone II ocasionou a contaminação de aproximadamente quatro quilômetros da costa da ilha de Salamina e cerca de 25 quilômetros da costa ao sul do Porto de Pireus e Atenas. Neste acidente, foram registradas 232 reclamações, perfazendo 80 milhões de euros. Já foram pagos, até hoje, aproximadamente 10 milhões de euros em indenizações. No entanto, o seguro do navio cobria apenas 5 milhões de euros – a metade do valor -, mas, como a Grécia é signatária das convenções, o Fundo providenciou a recuperação das áreas atingidas e as indenizações requeridas.
Mas esse é apenas um exemplo. Os benefícios deste tipo de mecanismo são muito maiores. Desde 1978, quando entrou em vigor a primeira Convenção do Fundo, de 1971, já foram pagos US$ 959 milhões em compensações em 154 acidentes.
Na verdade, a adesão às Convenções dessa natureza já fez parte da política externa brasileira. Em 1977, o país ratificou a CLC/69. Contudo, essa Convenção já caducou e foi substituída pela CLC/92 e as demais já citadas. Todas essas, porém, carecem de ratificação pelo Estado brasileiro, ou seja, o país está desguarnecido sob esse aspecto e, no atual acidente e em outros semelhantes, corre o risco de arcar sozinho com todo o prejuízo.
Especificamente na legislação brasileira, há um mecanismo de proteção – a Lei do Óleo, de 2000, que, embora recente, está desatualizada, pois ainda faz menção à CLC/69 – não mais em vigor. A Lei do Óleo prevê, em caso de ausência do certificado exigido pela CLC/69, que a embarcação seja retida e apenas liberada após depósito-caução como garantia para pagamento das despesas decorrentes da poluição. Contudo, isso não reduz de maneira significativa o risco de o ônus recair sobre a União. Isso porque a embarcação pode não ser identificada ou nem estar mais acessível para retenção ou ainda seu valor de mercado pode não ser suficiente para cobrir os prejuízos.
Diante desse cenário de vulnerabilidade para o país, é urgente a necessidade de se trazer à tona a discussão em torno da ratificação dos tratados internacionais, sobretudo os relacionados ao meio ambiente, de forma que o Brasil possa estar protegido futuramente em caso de eventuais desastres que possam ocorrer.
ALBERTO JOSÉ PINHEIRO DE CARVALHO foi Capitão dos Portos do Estado de São Paulo e é Mestre em Ciências Militares pela Escola de Guerra Naval e pelo Colégio de Estudos de Defesa da China.
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Foto: Secom/SE